Logan

“Eu sou o melhor no que faço. Mas o que faço não é nada bonito”. O longa de James Mangold, baseado no personagem da Marvel Comics criado por Len Wein e John Romita nos anos 1970 e atualmente em cartaz nos cinemas, é um atestado de que o famoso bordão de Wolverine que vem povoando o imaginário dos leitores assíduos de HQs há décadas é, definitivamente, a frase que melhor define o personagem.

Logan pode ser resumido em uma palavra: despedida. Hugh Jackman interpreta o personagem mais marcante de sua carreira há 17 anos. Mais propriamente dizendo, desde o primeiro filme dos X-Men, em 2000. Depois de nove longas (incluindo X-Men: Primeira Classe e X-Men: Apocalypse nos quais ele faz apenas uma ponta) o ator dá adeus às célebres garras de adamantium em um filme Rated R, isto é, classificação restrita nos cinemas americanos, seguindo o exemplo de Deadpool que também era recomendado para maiores de 17 anos. Logan, portanto, é um filme adulto e desse modo, Jackman na pele do personagem com quem já está mais do que familiarizado, tem a oportunidade de expressar a fúria de Wolverine em toda a sua glória, em uma produção repleta de violência gráfica, linguagem de baixo calão e com direito até mesmo a figurante fazendo um breve topless. Eis um filme de herói, aliás, de anti-herói de quadrinhos que se esforça muito para se encaixar em uma censura Rated – R.

A história é centrada em um herói combalido, já derrotado pelo tempo. Nos filmes da franquia X-Men, Logan sempre foi o mais complexo e instigante dos personagens. Wolverine sempre foi o que melhor ofereceu acesso ao seu lado humano. Indestrutível fisicamente, ainda que emocional e psicologicamente arrasado e perdido. Neste novo filme, ele mostra uma fragilidade ainda não retratada, dando sinais de velhice e cansaço. Já não luta mais como antigamente. Já não é mais imbatível e insuperável. O que é perfeito para fechar o arco do personagem. Em uma entrega perfeita, Jackman explora um lado vulnerável de Logan, mas sem deixar de ser fiel à caracterização estabelecida nos filmes prévios, ainda passando longe de ser um exemplo de boa conduta.

Mas esqueçam o rebelde X-Men que morava em uma majestosa mansão, sede do Instituto Xavier Para Jovens Superdotados e que se dedicava a combater, ao lado de seus colegas igualmente poderosos, os mutantes extremistas liderados por Magneto. Agora, ele precisa ganhar algum dinheiro atuando como motorista de aplicativo, a fim de poder cuidar de um enfermo professor Charles Xavier (Patrick Stewart). Sobre este último, é simplesmente triste ver um homem outrora poderoso e que cultivava o sonho de convivência pacífica entre humanos e mutantes, em um estado deplorável, física e mentalmente afetado pelo tempo, pelo próprio poder, e pela amarga culpa que carrega devido a uma tragédia que, aparentemente, vitimou seus X-Men em uma época não especificada.

No caminho desses homens debilitados e sublimemente interpretados por Jackman e Stewart, surge Laura (Dafne Keen), chamada de X-23, uma garotinha fruto de cruéis experimentos com genes mutantes realizados em laboratório e que não consegue refrear sua sede de aniquilação quando se vê ameaçada. Ela foi criada a partir do DNA de Logan, portanto, apresenta os mesmos poderes que o mutante, mas em uma versão aperfeiçoada. Eis a missão de Logan: protegê-la daqueles que desejam caçá-la.

A partir dessa base, o filme de Mangold vai se estruturando na tela. O que se destaca em Logan é a ótima dinâmica que surge entre os três personagens, pontuada por diálogos profundos, tiradas cômicas ácidas, o sarcasmo que sempre acompanhou Wolverine e uma overdose de cenas de tiros, explosões, lutas corporais, membros decepados e muita violência.

A fotografia compõe com precisão uma aura decadente combinada ao teor distópico e um clima certeiro de western. Visual e roteiro prestam tributo ao clássico gênero popularizado pelo cinema americano ao fazer referência a filmes como Os Brutos Também Amam, Os Imperdoáveis, às figuras interpretadas por Clint Eastwood, sendo a trilha sonora, que inclui Johnny Cash, a cereja no topo do bolo.

É interessante notar como um filme tão violento, munido de batalhas sangrentas, consegue ao mesmo tempo ser uma obra esteticamente refinada e com um tom sensível. Especialmente ao focar nos personagens e explorar a interação entre seus protagonistas. E é aí que o longa ganha pontos. A cena do jantar em família, com diálogos acertados e alusivos, dá um bem vindo tom de leveza à produção, além de garantir seu posto como uma das melhores do ano.

Mas não deixa de ser decepcionante que o final dos X-Men seja tão funesto e pessimista. Após anos de luta contra a discriminação, a raça mutante é praticamente erradicada e, mesmo assim, os remanescentes ainda sofrem perseguição. Esses vislumbres de futuro apocalíptico também estão presentes nas HQs e é louvável trazer a perspectiva para o cinema em um filme sombrio e adulto. Mas o sabor amargo é inevitável. O descanso dos justos é merecido após tantas batalhas, mas vem de forma cruel.

Logan não se propõe a ser um filme de aventura de super-herói colorido e dinâmico, feito para lotar salas dos multiplex no fim de semana. Na verdade, não poderia estar mais distante dessa definição. O próprio Logan faz questão de enfatizar isso ao dizer que heróis de collant não salvam o dia como nas HQs de X-Men que Laura carrega em sua mochila. Estas, inclusive, surgem no filme como easter-eggs tanto em uma demonstração de carinho e respeito aos personagens e suas origens, como para deixar claro que heróis que salvam o dia em uniformes coloridos só existem em histórias em quadrinhos e que este filme é totalmente diferente dos que o precederam na cronologia cinematográfica dos mutantes. A proposta de Logan é ser mais realista em suas intenções, ainda que se trate de uma ficção sobre pessoas com poderes especiais, apostando em uma carga dramática contundente e impondo seriedade em sua narrativa. Não à toa, desde o título, a produção se concentra no homem Logan e não no anti-herói Wolverine.

Ao final de tudo, os mutantes resistiram o quanto puderam, tornando-se um referencial, um símbolo de oposição, heróis de HQs. Algo não muito diferente do que acontece com os heróis da vida real. E, por isso mesmo, longe de ser justo.

Suprimida do tratamento final do roteiro, mas sendo citada constantemente, a tragédia de Westchester tem ligação direta com os surtos de Charles Xavier que se considera responsável pela morte dos mutantes. Para quem esperava um tradicional flashback contando como tudo aconteceu, pode esquecer. Mangold optou por um filme denso e áspero, mais focado nos personagens do que em informações, nas palavras do próprio.

É o adeus final e melancólico de atores que vêm nos acompanhando desde 2000. Mangold se preocupou mais em homenagear westerns e fazer uma despedida trágica e brutal do personagem do que realmente explorar uma história interessante – e, sim, a história é interessante, o problema é que, findado o filme, fica a impressão de que faltou algo na forma como ela foi contada. Contudo, na perspectiva da exploração do personagem, Hugh Jackman se despede deixando a sensação de dever cumprido, sendo o responsável por uma das melhores traduções de um personagem dos quadrinhos para as telas.

★★★

Andrizy Bento