25 de Abril, 40 anos depois…

3. Da Primavera marcelista ao Inverno do descontentamento

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Poderia o “marcelismo” ter feito a transição para a democracia, evitando a revolução?

A subida ao poder de Marcelo Caetano em 1968, quando Salazar ficou incapacitado de continuar a governar, trouxe de facto uma esperança da mudança que se traduziu na expressão “evolução na continuidade”: sem renegar a herança salazarista, modernizar o regime, adaptando-o aos novos tempos e resolver os grandes problemas que, já na altura eram os que se enunciarão após o 25 de Abril: desenvolver a economia, democratizar a vida política, encontrar uma solução para a questão colonial.

Mas a verdade é que Caetano, mudando embora os nomes às instituições, manteve intacto o aparelho repressivo herdado do salazarismo: censura, polícia e prisões políticas, regime de partido único, eleições fraudulentas. E apesar das “janelas de oportunidade” abertas por exemplo com o regresso de Mário Soares da deportação em S. Tomé a que tinha sido condenado por Salazar, com a formação da “Ala Liberal” na Assembleia Nacional ou com os esforços do general Spínola, na Guiné, em busca de uma solução negociada e honrosa para a independência, Marcelo não quis ou não foi capaz de resistir às forças imobilistas e conservadoras que dominavam o regime, congelando a prometida abertura política e obstinando-se na política colonialista de sempre e no prosseguimento da guerra colonial com base no estafado não-argumento salazarista segundo o qual “a Pátria não se discute”.

Percebe-se hoje que Marcelo Caetano não governava sozinho e nunca teve a autonomia de acção de que Salazar desfrutou nem o apoio incondicional de todos os sectores que apoiavam o regime. Refém da lealdade institucional e pessoal em relação ao Presidente Américo Tomás, que o nomeara para a chefia do Governo, faltou-lhe a coragem ou o “golpe de asa” necessários para, em 1972, dispensar o velho almirante e se candidatar ele próprio à Presidência da República, acabando por ficar até ao fim prisioneiro dos “ultras” do regime, representados ao mais alto nível pelo próprio Presidente em funções desde 1958.

O regime caminhou assim para o estertor final, bloqueado pelas suas próprias contradições: não se democratizava porque qualquer abertura política desencadearia de imediato a discussão do problema colonial, comprometendo todo o esforço de guerra que ia sendo feito; não descolonizava porque a ditadura impedia todo e qualquer debate político que permitisse fazer novas abordagens à questão colonial de forma a gerar o diálogo e construir os consensos necessários à sua resolução.

Foi, acima de tudo, a incapacidade de o regime se auto-reformar que tornou a revolução inevitável.

Marcelo Caetano em Luanda