Jojo Rabbit: A Alemanha da segunda guerra aos olhos de um pequeno nazi

Todos estamos de quarentena, temos passados os dias trancados em casa, pelo menos é o suposto, e, desta forma, temos mais tempo para preencher. Tenho a dizer que é uma bela ideia atualizar a tua cultura cinematográfica neste tempo, a nível nacional e internacional. E filmes nomeados a prémios como os Óscares e Globos de Ouro? Já viste todos? Acredita que vale a pena! Hoje sugiro um deles.

Jojo Rabbit, um filme lançado ainda em 2019, que esteve nomeado para os prémios que já referi acima, é uma obra que dentro dos indicado a a prémio, considero de visualização quase obrigatória, dado a sua elevada qualidade (se é que não considero todos).

Escrito e realizado por Taika Waititi, o cómico Hitler da trama, o filme retrata a situação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, através dos olhos de um menino de dez anos, loiro e de olhos azuis, o correspondente à suposta raça superior da época, a ´”raça ariana”. Johannes Betzler (Roman Griffin Davis), mais conhecido por Jojo Rabbit, é um pequeno nazi que tem tudo para ter sucesso em tal sociedade, mas, devido a um acidente nos treinos da Juventude Hitlerista, o jovem acaba por se lesionar. Tal acontecimento obriga-o a voltar a casa e ainda deixa uma marca no seu rosto.

No entanto, o menino não fica de fora do mundo nazi, Rosie, sua mãe, pressiona o Capitão Klenzendorf (Sam Rockwell), que estava a gerir o campo da juventude, a fim de dar tarefas ao menino para se sentir incluído, o que passa por distribuir papéis de propaganda entre outras coisas. Ao passar mais tempo em casa, Jojo, acaba por descobrir que o seu inimigo vive nas paredes, uma temível judia. Sim, pode imaginar que para Jojo isso significa ter um judeu mau e feio a viver em sua casa, neste caso, uma jovem. Betzler terá de conviver com ela face ao perigo que corre em denúncia-la.

Jojo Rabbit torna-se num grande filme graças às escolhas do realizador, que nos faz regressar a este período negro da história realisticamente, mas envolvida na sátira, recorrendo a esta para criticar fortemente aquele tempo, e, basicamente, expor o ridículo de tal sociedade.

Taika Waititi, tem até agora boas produções na sua carreira como What We Do in the Shadows (2014) e Thor: Ragnarok (2017) um êxito mundial, e, a meu ver, um dos melhores filmes da Marvel Studios e do próprio herói. Acaba por ser um risco apostar num filme deste tipo, pois muitos de nós se podem questionar: É sequer possível criar uma obra prima vinda de uma sátira a tal época? É sim, mas não sem a coragem do realizador, que inclusive se inclui no ecrã, mostrando novamente os seus vários talentos, desde a escrita, à realização e à própria representação.  

Relembro que no passado já se recorreu à comédia para retratar o período nazi, como Life Is Beautiful (1997), de Roberto Benigni e a caricatura de Hitler com um clássico O Grande Ditador (1940), criado por Charlie Chaplin, entre outros. A ideia de retratar um tempo obscuro desta maneira não é propriamente nova, no entanto, continuamos a colocar a questão do parágrafo anterior. Não é tarefa fácil acertar numa comédia com este assunto, tais obras têm sempre algumas críticas, mas a obra de Waititi consegue fazê-lo na perfeição.

Como já referi, o realizador explora o mundo através da criança que vai tomando consciência dos acontecimentos. Como criança é expectável que seja mais fácil adquirir noções que já lhe são impostas sem questionar nada, é um alvo fácil. São pessoas que lhe são familiares, fazem parte do seu mundo e este não se atreve a questioná-las.  

Tenho a apontar que uma cena em que queimam livros e são representadas várias coisas feitas na Juventude Hitlariana, é totalmente satirizado, sendo que o que estamos a ver é errado, mas a atmosfera criada no filme, acompanha a diversão da criança que não vê mal no que faz. Mesmo assim, há momentos em que vemos o menino confuso e desanimado, pois realmente o lugar de uma criança não é na guerra e a confusão que lhe passa na cabeça é como um curto-circuito no seu cérebro, entre a noção de certo e errado. Também a maneira como imaginava o inimigo mesmo sem nunca o ter visto, como é o caso do judeu que descreviam como um ser maligno, com cornos, feio, mas que no final de contas era apenas igual a ele.

Face a tudo isto, o jovem Jojo pode representar também um tipo de pessoas que não sabe pensar por si e se subjuga a tudo, deixando-se levar pelo que o resto acha que é certo, não escolhendo faixa etária, todos à sua volta são enfeitiçados pelo regime, ou pelo medo.

Durante toda a obra, Hitler acompanha o menino, como uma espécie de amigo imaginário, mostrando-se primeiramente um grande apoio, porém à medida que os meninos vão olhando para toda a situação de outra maneira, podemos ver uma outra face do ditador. Esta representação de amigo imaginário acaba por não pôr o ditador num lugar de destaque, ao fim de contas é Jojo que está no controle enquanto ele é só uma sombra sua.

A obra está repleta de bons atores, dando destaque ao pequeno Roman Griffin Davis, que interpretou o jovem Bretzler perfeitamente, assim como a jovem Thomasin McKenzie, que deu vida a Elsa Korr. Os dois atores acabam por interpretar bem a forma como ambas as suas personagens evoluem, sendo que a evolução de uma depende da outra. A maneira como Jojo vê Elsa reflete-se no seu comportamento e ao mudar a sua visão, a jovem também muda o modo de agir, que vai do violento a um tom mais suave, o seu verdadeiro eu.

Scarlett Johansson não passa de todo despercebida, o filme também lhe valeu umas nomeações, e a sua personagem, Rosie, mãe de Jojo, é uma alemã de espírito livre e uma lufada de ar fresco em plena guerra, que a mesma transmite. A importância da personagem é evidente, não só pelas características que referi, para aquele período, mas para a evolução do seu próprio filho. É ainda impossível ficar indiferente á cena em que Jojo pede pelo pai e esta se transforma nele, fazendo o filho em cena crer no diálogo e ao mesmo tempo é bem convincente para com o público
Continuas a perguntar-se se é possível representar a situação alemã através da sátira? Dá uma oportunidade a Jojo Rabbit e perceberás que sim. É um filme em que se ri e se chora, é uma montanha russa de emoções e é uma escolha para a quarentena que não se vão arrepender. Incrível.

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.”

– Paulo Freire

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