Artigo

OS MANIFESTOS ROSACRUZES

Uma tradição secreta com 400 anos de história
(Alma dos Livros, 2020, Pág.s. 271).
Autor - Rui Lomelino de Freitas

Por João De Almeida Santos

Rosacruz1

Rui Lomelino de Freitas, João De Almeida Santos, Ricardo Antunes na FNAC de Alfragide, 17.11.2020.

UMA BOA CONVERSA, hoje, 17.11.2020, na FNAC de Alfragide, com o autor do livro, Rui Lomelino de Freitas e o Editor da “Alma dos Livros”, Ricardo Antunes. A gravação ficará disponível no Youtube da FNAC a partir de 6 de Janeiro de 2021. Um excelente livro, com uma longa, exaustiva e cuidada introdução, os três Manifestos (“Fama Fraternitatis R.C.”, “Confessio Fraternitatis R. C.” e “Núpcias Alquímicas”), um Glossário com 30 entradas e uma bibliografia fundamental com 38 títulos. Ficamos a saber quase tudo sobre os Rosacruzes.

Os Princípios

AO QUE PARECE, tudo começou em Tuebingen am Neckar, a bela cidade da Suábia, onde, há muito, num período muito importante da minha vida, vivi, em Wanne, Hartmeyerstrasse. E tudo começou sobretudo graças a Tobias Hess e a Johannes Valentinus Andreae. Os três Manifestos são de 1614, 1615 e 1616. O último é um longo conto de cerca de 100 páginas. Os seus autores queriam mudar o mundo, enviando os Manifestos aos poderosos da Europa e propondo uma reforma geral e universal de todo o mundo. Inspiravam-se no hermetismo, no esoterismo cristão, na mística e na filosofia islâmicas e em Paracelso, o principal inspirador. Sua figura central era Cristão Rosacruz, o modelo humano, ou ideal-tipo, em que se ancoravam os rosacruzes. Moviam-se no interior da alquimia e das suas práticas, conducentes à espiritualização integral do ser humano. Os princípios em que se baseavam eram o regresso às Sagradas Escrituras, a filosofia natural, a centralidade do indivíduo, os valores da humildade, do silêncio e da cooperação, o paralelismo especular entre o macrocosmos e o microcosmos, a exigência de separação e purificação do contingente para a espiritualização e o acesso ao universal, com vista a uma reforma geral e universal de todo o mundo, a sua verdadeira utopia.

O Espírito do Tempo

É NA CONFESSIO que estão consignados os 37 princípios por que se regiam. Também para eles o número sete era o número perfeito: por exemplo, são sete os dias que Cristão Rosacruz leva para se conduzir com a sabedoria possível e permitida pelo Supremo às Núpcias Alquímicas. Johannes Valentinus Andreae, a quem são atribuídas as “Núpcias Alquímicas”, também escreveu uma utopia, “Christianopolis”, que integra o conjunto constituído pelas utopias da época, a “Utopia” (1516), de Thomas Morus, a “Cidade do Sol” (1602) , de Campanella, e a “Nova Atlântida” (1627), de Francis Bacon. Em geral, os rosacruzes alinhavam com o espírito da época, com a revolução científica (Copérnico, Galileu e Newton), a reforma luterana e a calvinista, o renascimento, o humanismo italiano (Pico della Mirandola, Lorenzo Valla e Marsilio Ficino) e com a recusa da autoridade do Papa e do seu poder universal de legitimação dos poderes políticos nacionais (através de bulas). Nessa altura, Hugo Grotius deu a machada final ao escrever o Mare liberum, publicado em 1609. Ou seja, os rosacruzes refutam a mundividência medieval, a autoridade do Papa e apostam numa reforma geral  e universal  da humanidade, inscrevendo-se nos grandes princípios que estruturam a modernidade.

Zenão, o Alquimista de Yourcenar

O QUE ME SUSCITOU uma enorme curiosidade foi o paralelismo entre esta mundividência e a de Zenão, o médico, filósofo e alquimista da Marguerite Yourcenar de “L’Oeuvre au Noir” (Paris, Gallimard, 1968). Zenão e Cristão Rosacruz. A mesma inspiração, a do médico suíço Paracelso. Um trajecto de viagens parecido. E sobretudo paralelismo com Paracelso, o grande inspirador dos Rosacruzes. Cito duas passagens da própria Yourcenar, na nota final à obra: Zenão teria “trinta e um anos quando morreu Paracelso”, “dont je le fais l’émule et parfois l’adversaire”(p. 495); e, ainda, “as viagens de Zenão, a sua tripla carreira de alquimista, de médico e de filósofo (…), seguem muito de perto o que se sabe ou o que se conta deste mesmo Paracelso, e o episódio da permanência no Oriente, quase obrigatório na biografia dos filósofos herméticos, inspira-se também nas peregrinações reais ou lendárias do grande químico suíço-alemão” (p. 497). Há evidentemente uma enorme simpatia da autora pela figura de Zenão (e, claro, pela alquimia, implicitamente considerada superior pelo desenho da simpática figura do protagonista) ao lado das convenções impiedosas e obscurantistas dos poderes político-religiosos daquele tempo. Mas era um moderado, Zenão. E nisto talvez se afastasse dos rosacruzes, que execravam a figura do Papa e previam a sua iminente queda. O título do livro (“Oeuvre au Noir”) designa nos tratados alquímicos a fase da separação e da dissolução da substância que era, diz-se, a parte mais difícil “du Grand Oeuvre” (p. 501). Convergência perfeita, se se entender que esta era a operação que visava superar (pela separação, pela purificação) a contingência, as rotinas e os preconceitos com vista à obtenção do ouro espiritual (pelos rosacruzes). A obra correspondia àquele balanço a que Kant chamou “Ausgang”, a saída da humanidade do estado de menoridade, pela elevação espiritual ao universo da Razão, balanço muito valorizado pela reinterpretação que Michel Foucault fez do escrito de Kant “Was ist Aufklaerung?” no ensaio “Qu’est-ce que les Lumières?” (1993).

“L’Oeuvre au Noir” baseou-se num minucioso estudo documental sobre a mesma época da Fraternidade Rosacruz, tendo Zenão nascido 104 anos antes de ter sido publicado o primeiro Manifesto. Mas, como vimos, a inspiração era a mesma, as fontes eram as mesmas, a orientação alquímica era a mesma. Talvez o assunto já esteja estudado, mas, mesmo assim, é caso para eu próprio avançar nesta pesquisa um pouco, no futuro.

Conclusão

O MOVIMENTO ROSACRUZ continuou e continua, seguindo caminhos diversificados. A complexa simbologia que encontramos nas “Núpcias Alquímicas” pode muito bem ser o pretexto para tentarmos decifrar o oculto que se encontra por detrás daquela riquíssima e fantástica imagética linguística, que, de resto, evolui ao longo de sete dias, sete. Alguma geometria e perfeição geométrica se encontrará nesta sofisticada narrativa. Talvez a leitura da utopia de Christianopolis, completada pela releitura de L’Oeuvre au Noir, ajude a fazer luz. 

NupciasAlq

Elaboração de minha autoria sobre texto do Quinto Dia das “Núpcias Alquímicas”.

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