Por que a defesa nacionalista da indústria da carne é um tremendo “nonsense”

O escândalo de grandes proporções econômicas que foi desencadeado pela operação “Carne Fraca” da Polícia Federal do Paraná está servindo como pano de fundo para um debate de cores nacionalistas para a defesa da indústria da carne, envolvendo até setores da esquerda brasileira.

Como alguém que já esteve em várias plantas industriais e coletou dados sobre as linhas de aquisição de gado bovino nos estados de Goiás, Mato Grosso e Rondônia, considero essa uma discussão que beira o completo “nonsense”.  É que além dos graves danos ambientais associados à expansão da pecuária extensiva, temos ainda problemas com o trabalho escravo, o massacre dos povos indígenas, e ainda as condições degradantes que cercam o trabalho dentro dessas plantas industriais.

Uma informação que eu raramente ofereço é que diminui bastante o consumo de carne bovina depois de realizar um périplo de mais de 8.000 Km nos estados de Goiás, onde pude ver de perto as condições em que os animais eram transportados para serem abatidos nas plantas industriais. Uma visão que particularmente me impressionou foi o gado apertado em currais embaixo de um sol escandante e faminto. Tudo isso para agilizar  o processo de abate e passagem pela linha de produção, coisa que me foi dita duraria questão de minutos após o animal ser morto.

Além disso,  há o fato de que grupos como o JBS/FRIBOI e BRF se tornaram gigantes da indústria da carne, tendo se alastrado por vários continentes onde controlam parte não apenas do comércio, mas também da produção. Esse perfil de empresa que está presente nos mercados globais tem perfeito conhecimento dos riscos que se corre ao adulterar produtos para posterior comercialização.  Em outras palavras, de nacional mesmo só a mais valia que elas extraem a partir da apropriação da Natureza e da exploração dos trabalhadores.

Além disso, por mais localizado que seja o problema da venda de produtos impróprios, este é o menor dos problemas envolvendo a oligopolização do comércio da carne animal, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Antes de fazer qualquer defesa dessas marcas, o que a esquerda deveria estar questionando é o modelo produtivo que possibilitou a ascensão do Brasil no mercado global da carne animal, e de todos os custos sociais e ambientais que esse processo acarretou. 

Mas que ninguém espere de mim a defesa dessas corporações, pois elas já tem os governos e a mídia corporativa.  Particularmente me preocupo apenas com suas vítimas diretas (os ecossistemas naturais, pequenos agricultores e povos indígenas) e indiretas (nós, os consumidores de seus produtos caros e adulterados).

Finalmente, que pelo menos esse escândalo sirva para que possamos voltar a tratar de forma séria a questão da reforma agrária e do processo de produção de alimentos com um duplo olhar sobre a proteção do ambiente e da saúde dos cidadãos transformados em consumidores. É que a Carne Fraca mostra que o sistema de produção de alimentos ensejado pela Revolução Verde está caindo de podre.

3 comentários sobre “Por que a defesa nacionalista da indústria da carne é um tremendo “nonsense”

  1. Acho que este é o angulo correto da análise. É um erro histórico da esquerda brasileira pressupor que a burguesia nacional (hoje inexistente) é melhor que a burguesia estrangeira e que devemos defender nosso capitalismo. A questão é o padrão, o modelo, as escolhas, as prioridades, feitas pelos governos, inclusive os mais recentes

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  2. Professor, ouço sempre que o avanço do agronegócio é consequência da divisão internacional do trabalho dos países. Nesta divisão cabe ao Brasil ser o celeiro do mundo, daí também esta política do Temer de acabar com a industria nacional. Por falar em esquerda… mais um campeão nacional bancado pelo BNDES “está nú”.

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