PGR analisa rendas dadas à Generg em véspera de eleições

Ex-governo deu ok à alteração de um projeto da Generg de éolico para solar dois dias antes das eleições, aceitando pagar 26 milhões em rendas

in: Dinheiro Vivo, 5 agosto 2017

Jorge Seguro Sanches, secretário de Estado da Energia, enviou mais um contrato de produção de energia solar para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Depois do pedido de análise a onze licenças de produção de energia solar fotovoltaica de concentração, agora é a vez da central solar em Alcains, da Generg, empresa de energia do ex-secretário de Estado do Ambiente, Carlos Pimenta.

Este projeto encontra-se atualmente à espera da aprovação final, estando envolto em alguma celeuma, já que o concurso inicial ganho pela empresa visava a produção de energia eólica e não solar. Além disso, há ainda a questão do anterior governo ter atribuído a esta central 26 milhões de euros em rendas – tarifas subsidiadas – dois dias antes das legislativas de 2015.

“A 3 de Julho de 2017, o Governo, através do secretário de Estado da Energia, solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República no sentido de ser avaliada e aferida a conformidade legal e respetivas consequências” das alterações preconizadas ao contrato, revelou a tutela, em resposta ao Parlamento.

“A opção deste governo é por tarifas não subsidiadas, pois já caminhámos o suficiente nas renováveis para que os consumidores não tenham que continuar a subsidiar produtores. O mercado está a funcionar, não faz sentido sobrecarregar consumidores com mais subsídios quando a eletricidade já é das mais caras da Europa”, explicou Jorge Seguro Sanches em declarações ao Dinheiro Vivo.

A eólica que virou solar

A história remonta a 2008, altura em que foi lançado um concurso para produção de energia em central eólica, com o contrato de distribuição a ser celebrado em maio do ano seguinte. Em 2011, porém, a Declaração de Impacto Ambiental, apesar de favorável, impôs algumas condicionantes ao projeto, facto que levou a empresa a “notificar o Estado da resolução do contrato por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”, explica a tutela sobre os avanços e recuos do dossiê.

Depois de optar pela resolução do contrato, a Generg avançou quatro anos volvidos, em junho de 2015, com “um pedido de atribuição de licença de produção condicionado à mudança de fonte primária eólica para solar fotovoltaica do projeto”, prossegue o relato do Ministério da Economia.

E foi este pedido que foi deferido a 2 de outubro de 2015 – meras 48 horas antes das eleições legislativas – com o então secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, a emitir o despacho de deferimento, atribuindo uma tarifa de 59,44 euros por megawatt/hora (Mwh) produzido pela Generg na central, para vigorar durante 15 anos. Posteriormente, a empresa entrou em contacto com a Direção-geral de Energia e Geologia e com Jorge Seguro Sanches para obter as últimas autorizações. O novo secretário de Estado quando confrontado com este caso optou por avançar então com um pedido de parecer à PGR.

A tarifa oferecida a este projeto da Generg – 59,44 euros/Mwh -, a confirmar-se, irá custar 26 milhões de euros ao sistema elétrico, ou seja aos consumidores de eletricidade, segundo as contas apresentadas pela tutela depois de questionada por Jorge Costa, deputado do Bloco de Esquerda, sobre o estado deste dossiê. Esta renda compara com as “rendas-zero” que têm sido prática nos últimos anos para novas centrais solares: o governo já conseguiu lançar várias centrais solares sem precisar de oferecer rendas para atrair investidores, tendo até ao momento atribuído licenças para a produção de 517 Mwh em centrais fotovoltaicas sem subsídios, dos quais 432 Mwh já pagaram as respetivas cauções.

O facto de surgir em contraciclo com a política atual de “rendas-zero” pode aumentar os riscos concorrenciais e de transparência associados a este caso. Por um lado, os concorrentes que perderam o concurso de 2009 poderão protestar com a confirmação das alterações que implicam, no fundo, uma alteração do verdadeiro objeto do concurso. Por outro lado, se o concurso fosse desde logo para a produção de energia solar, outras empresas podiam ter desejado concorrer. Por fim, ao oferecer rendas para o solar quando outras licenças não o fazem, este contrato pode acabar por ser visto como auxílio estatal ilegal por parte da Comissão Europeia, já que deturpa o mercado – haverão novos produtores subsidiados a concorrer com novos produtores que não o são.

A questão para o governo agora é perceber o que pode ser feito e qual a margem legal existente para travar um novo contrato de energia com rendas.

PGR, rendas e opções

Sendo um caso específico, foram várias as questões que o Governo levantou junto da PGR para tentar entender as opções que tem em cima da mesa para o caso.

O contrato podia ser modificado de eólica para solar? O despacho em vésperas das legislativas deve ser considerado válido ou nulo? Está o governo vinculado às rendas oferecidas pelo anterior executivo para a produção de energia solar num projeto eólico? Face às regras da concorrência, dar uma tarifa subsidiada constitui um “auxílio de estado”? Estas são algumas das questões apresentadas à PGR a propósito da central de Alcains. Na avaliação ao caso, a Procuradoria deverá ter igualmente em atenção o facto de a Generg já ter avançado com alguns investimentos em Castelo Branco, onde conta com outros projetos eólicos.

O Ministério da Economia, na resposta ao Bloco de Esquerda, recorda “a determinação do governo na liderança da transição energética alicerçada no enorme potencial de produção de energia limpa, a partir de recursos renováveis, mais baratos e sem subsídios ou tarifas feed in que penalizam a fatura dos consumidores, elegendo como prioridade a disseminação de tecnologias maduras, como é o caso do solar”. Por tarifas feed in entendem-se as ditas “rendas”, ou seja, o pagamento pelos consumidores dos investimentos, através de contratos de longo prazo com um preço fixo garantido.

A consulta à PGR relativamente à Generg avançou poucos dias depois do ministério ter solicitado a apreciação de um conjunto de centrais fotovoltaicas, tal como o Dinheiro Vivo noticiou.

Este pedido, ainda em análise, visou 11 licenças de produção de energia solar fotovoltaica de concentração, lançadas em 2009 e aprovadas em 2011 e cuja maioria entrou em produção em 2014. A lógica do concurso visava privilegiar a inovação, daí a oferta de uma bonificação elevada por Mwh produzido, de 380 euros. Sendo tão bem remunerado, o concurso tinha regras: cada licença teria de explorar uma tecnologia diferente e nenhuma empresa podia ter mais do que uma licença.

Estas regras, porém, foram deturpadas com o passar dos anos, existindo empresas que acumularam mais do que uma licença e a repetir tecnologias. Mas apesar das alterações, estas não foram refletidas nas rendas pagas às empresas.