Fogo Belo

 

Demian odeia os sabiás.

E Fogo Belo tem aquela mancha, do tamanho de um punho fechado, onde não cresceu mais pelo.

Ninguém sabe o por quê, só Demian.

As águas tranqüilas da enseada sabem.

As árvores de palmeiras, sob cuja sombra a mulher de Demian costumava imaginar-se indo num magnífico veleiro, também sabem.

E os malditos sabiás cantores.

Por causa do mar a vida era assim, a ilha era assim, os pescadores, os dias, e a mulher de Demian, que olhava os barcos e tinha desejos.

Demian ficou mais velho depois que ela partiu num veleiro branco.

Ele ainda ouve as risadas alegres nas vozes dos sabiás.

O cão, sem nenhum rancor, passa os dias aos pés de Demian, o olhar compreensivo sobre o rosto arruinado do dono.

Demian faz aquelas coisas lindas com as conchas.

Cabeça baixa, contrário ao sol, trabalha pacientemente.

É um homem gentil no silêncio, nos olhos, nos gestos.

Demian é um artista.

Mas há momentos em que as mãos enlouquecem e os dedos se negam.

Ele então ergue os braços acima da cabeça, desesperado.

É quando Fogo Belo se afasta sorrateiramente e vai passear na praia até a estranheza passar, um arrepio bem na mancha do tamanho de um punho fechado.

Demian não gosta mais do mar, nem de canções, nem de sabiás.

 

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