Protestos no Rio: e agora?

Demonstrators pass by the Sambadrome on Avenida Presidente Vargas on June 20

Em 20 de junho, arquibancadas do Sambódromo vazias, enquanto pelo menos um milhão de pessoas lota a avenida Presidente Vargas

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“A sociedade brasileira é bastante unida?” um radialista canadense perguntou ao RioRealblog na manhã de sexta-feira passada.

É uma ótima pergunta.

O futebol sempre foi o aglutinador mais forte do Brasil, conforme apontado neste excelente artigo do New York Times sobre as manifestações em todo o país.

Rio's architects speak out, calling for debate and dialogue with government officials, on the future of our city

Os arquitetos do Rio se pronunciam, pedindo debate e diálogo com representantes do governo sobre o futuro de nossa cidade

Políticos brasileiros sempre recorrem ao futebol quando falam para uma multidão. É um modo de dizer “Estamos juntos, temos algo em comum”. Diferentemente dos Estados Unidos, grandes cidades brasileiras têm vários times de futebol, cada um representando, de certa forma, um grupo específico. No Rio, os times são: Vasco, o time dos portugueses; Fluminense, a escolha das elites; Botafogo, para os descolados e Flamengo, o time de todo mundo. Ao se deparar com um torcedor do time rival, o carioca faz piadas para amenizar as diferenças.

 Devido às desigualdades que se perpetuam há séculos na sociedade brasileira, as pessoas daqui são especialistas em dissipar a tensão. Futebol, humor, música, carnaval e praia fazem parte do jogo.

PEC is a proposed constitutional amendment that would limit criminal investigations to police forces, removing this responsibility from federal and state attorney generals' offices

A PEC  propõe uma emenda constitucional que limitaria a investigação criminal às forças policiais, retirando esta responsabilidade dos Ministérios Públicos estaduais e da federação. Congressistas corruptos têm a ganhar com a emenda

Na última década, diminuíram as desigualdades econômicas. Essa é a mudança que move os protestos: sem educação e saúde adequados, não é possível manter o crescimento econômico, e, sem isso, os jovens nas ruas não terão os empregos e o estilo de vida que querem. O boom econômico que está chegando ao fim deixou isso bem claro. O motorista de ônibus que perdeu controle do veículo, em abril deste ano, durante uma discussão com um passageiro, capotando de um viaduto, não estava preparado para desempenhar sua função; assim como a maioria dos colegas maníacos dele.

Agora, as palavras de orden mais comuns dos manifestantes propõem trocar a Copa do Mundo de 2014 por melhor educação e saúde. Os protestos são o novo aglutinador. Durante a semana passada, em praticamente todos os lugares do Rio, você podia conversar com um desconhecido sobre as manifestações e encontrar diversos pontos de convergência.

Entoar “sem violência” não é o suficiente

Porém, ninguém sabe por quanto tempo os protestos irão durar ou por quanto tempo a euforia poderá superar diferenças reais – evidentes tanto nas filmagens de jovens mascarados destruindo propriedade pública e privada em todo o país (filmagens exibidas nacionalmente e internacionalmente) e vídeos e relatos sobre policiais que, no Rio, foram acusados de perseguir manifestantes nas ruas da Lapa (a maior parte desse material foi compartilhado no Facebook, mas também pode ser visto no site d’O Globo) e de ter exagerado no uso de gás lacrimogênio e spray de pimenta.

(Quem são eles? Traficantes de drogas furiosos? Bandidos, simplesmente? Jovens de classe média movidos a testosterona, irritados por ter que compartilhar sua fatia do bolo econômico com os recém-chegados? Em São Paulo, aparentemente um dos vândalos presos, além de ser um estudante de arquitetura (que pela lógica deveria pensar mais em construir do que destruir) é também filho do dono de uma pequena empresa de ônibus. “Todos bandidos,” comentou, sem conhecimento de causa, um carioca na manhã de sábado em uma academia, referindo-se aos que destruíram uma concessionária da Mercedes-Benz na véspera, na Zona Oeste do Rio. Supostamente, os baderneiros eram da Cidade de Deus, uma favela pacificada.)

É obvio que o Brasil precisará desenvolver algo novo para unir a nação e mantê-la coesa. No fim das contas, a solução será a consagrada força e confiabilidade de instituições governamentais.

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Comerciantes assustados de Ipanema protegeram vitrines com tapumes na sexta-feira à noite – no final das contas, foi desnecessário.

Mas, considerando que muitos dos que ocupam essas instituições são corruptos, egoístas e pouco transparentes, como mudar essas instituições? Por exemplo, para instituirmos a representação distrital aos níveis federal, estadual e municipal, uma condição necessária para a transparência política, será necessária uma emenda constitucional aprovada pelo Congresso.

Além dos protestos, precisa-se de pontes, como a presidenta Dilma Rousseff admitiu no discurso dela de sexta-feira à noite. Os manifestantes querem “mais”, ela disse e para oferecer isso a eles, ela se reúne hoje com governadores e prefeitos para criar um pacto em prol de melhores serviços públicos com foco em mobilidade urbana e educação. “Cidadania [sic — talvez ela se referisse à coletividade?], não o poder econômico, é o que precisa ser ouvido em primeiro lugar,” ela acrescentou, dizendo que ela também se reunirá com líderes dos protestos e outros.

Alguns grupos, tais como Comunidades Catalisadoras, têm defendido isso há muito tempo; finalmente, o assunto chega ao centro das atenções

A sociedade civil também constrói pontes para um governo mais participativo. No Rio, o capítulo local do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) finalmente assumiu um papel na elaboração de políticas públicas. Segundo o jornal O Globo, na semana passada, o IAB sediou uma reunião entre moradores da favela da Providência, arquitetos e representantes do governo —  que resultou em uma decisão de suspender a remoção de 16 famílias. Essa experiência, por sua vez, levou à criação de uma comissão mista de habitação composta por membros do IAB, moradores da Providência e representantes do Conselho de Arquitetura e Planejamento Urbano e do IPPUR, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano, dentre outros. Segundo o jornal, a comissão avaliará outras intervenções urbanas propostas.

“O IAB aplaude a decisão, fruto de um diálogo produtivo,” Sérgio Magalhães, presidente do IAB (que também publicou no sábado este alentador artigo de opinião) disse a O Globo. “As intervenções em favelas devem ser planejadas com cuidado, implementadas com cuidado, pois nesses locais as famílias construíram suas casas através de gerações, com muito esforço – e quaisquer intervenções devem levar em consideração aspectos sociais e emocionais. Boas práticas de planejamento urbano moderno recomendam que isso seja feito.”

Agora, a bola está com a gente — e ganhamos domingo da Itália, 4-2.

About Rio real

American journalist, writer, editor who's lived in Rio de Janeiro for 20 years.
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2 Responses to Protestos no Rio: e agora?

  1. David says:

    Com relação que o Sr. Sergio Magalhães disse: “as intervenções em favelas devem ser realizadas com cuidado”, eu acrescento que quaisquer intervenções urbanas devem ser feitas com cuidado! O fato de uma intervenção pública ser feita na Rocinha ou em Botafogo não pode ser justificativa para descuido. O conjunto de análises e estudos a serem feitos nos dois ambientes devem considerar as realidades sócio-económicas dos moradores sim, mas devem também considerar que ambos os espaços fazem parte de um ecosistema maior.

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