As cambiantes do amor

Recentemente, os Estados Unidos, Singapura e a Indonésia alteraram a legislação matrimonial.
Tradicionalmente, definia-se o casamento como uma união voluntária entre um homem e uma mulher, sendo que ambos precisavam de registar essa união de acordo com a lei para que o matrimónio fosse estabelecido. Após a celebração do casamento, tinham obrigação de ser leais e de se apoiar um ao outro e não se deveriam envolver em relações extra-conjugais.

Como é hoje em dia a situação em Macau a este respeito? O Artigo 1473 do Código Civil estipula que o casamento é um contrato voluntário entre um homem e uma mulher. Portanto, Macau não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Há algum tempo, foi apresentada na Assembleia Legislativa uma “proposta de lei para a união entre pessoas do mesmo sexo”, mas foi rejeitada. O motivo da rejeição foi o receio de que a sua aprovação conduzisse à extinção da humanidade, devido à impossibilidade de reprodução entre pessoas do mesmo sexo.

A legislação americana e a de Macau são diferentes. No passado dia 9, o Congresso dos EUA aprovou uma lei federal que estipula que todos os Estados americanos têm de reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desde que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos anulou o precedente Roe v Wade em Junho de 2022, o direito das mulheres à prática da interrupção voluntária da gravidez deixou de ser garantido pela Constituição. Este retrocesso nos direitos civis, suscitou preocupações sobre a proteção do casamento entre pessoas do mesmo sexo e levou à aprovação de leis que protejam os direitos conexos destas uniões.

Voltando à Ásia, em Novembro último, Singapura aboliu a secção 377A do Código Penal. A secção 377A existia desde o tempo do colonialismo britânico e destinava-se a proibir as relações sexuais entre pessoas do sexo masculino. A violação da secção 377A conduzia ao espancamento dos transgressores. Em 2007, o Governo de Singapura comprometeu-se a manter a secção 377A, no entanto deixou de aplicá-la até que, recentemente, foi definitivamente abolida. Isto significa que o sexo entre dois homens deixou de ser ilegal em Singapura, o que indirectamente quer dizer que a homossexualidade masculina passou a ser aceite.

A situação em Hong Kong é mais complicada. O Artigo 40 da Lei Matrimonial de Hong Kong estipula que o casamento é uma união vital e voluntária entre um homem e uma mulher. De acordo com o precedente de Corbett v Corbett, o género de cada pessoa corresponde ao “sexo” que Deus lhe atribuiu à nascença. Mesmo que alguém se submeta a uma cirurgia para alteração de sexo, esse facto não pode ser alterado. Portanto, se alguém nasce com um pénis, mesmo que se submeta a uma cirurgia de redesignação sexual, continua a pertencer ao sexo masculino à luz da Lei Matrimonial e não pode casar com outro homem.

Esta disposição foi alterada pelo precedente de 2013 W v Registo de Casamentos. Neste caso, W era do sexo masculino por nascimento, mas, porque sofria de “distúrbio de identidade de género “, foi submetido a uma cirurgia de redesignação sexual em 2008 e tornou-se mulher. Depois de uma bem-sucedida operação, o seu cartão de identidade foi alterado para poder ter um nome feminino. Mais tarde W casou com um homem, mas o registo do matrimónio foi rejeitado. W acabou por levar o seu caso ao Tribunal de Recurso de Última Instância de Hong Kong.

O tribunal decidiu que para avaliar o género de uma pessoa, para além de seguir os precedentes estabelecidos pelo caso Corbett v Corbett, ou seja, a biologia, também deveriam ser levados em conta factores psicológicos e sociais. Como aquele precedente só reconhecia os factores biológicos, ou seja, o sexo à nascença, e ignorava os factores psicológicos e sociais, o tribunal considerou que o direito de W ao casamento tinha sido violado e decidiu a seu favor. O casamento de W pode finalmente ser registado.

Para além do que já foi dito, existem algumas leis em Hong Kong que estabelecem normas para o “relacionamento entre pessoas do mesmo sexo”. Por exemplo, o “Decreto de Violência Doméstica ” estipula que os “coabitantes” podem ser pessoas do mesmo sexo. Esta norma reconhece indirectamente a homossexualidade e a coabitação de pessoas do mesmo sexo.

Um país que só reconhece o casamento tradicional tem, como é óbvio, uma legislação tradicional. No passado dia 6, a Indonésia aprovou a ” Alteração do Direito Penal ” para proibir o sexo extra-conjugal. Os transgressores podem ser condenados a um ano de prisão. Esta norma legal destina-se a criminalizar o adultério e defender a estabilidade familiar.

O casamento tradicional, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o casamento de pessoas transgénero são todos uniões legais. No casamento, mais importante do que os votos ou o contrato matrimonial, é o propósito de amor e apoio mútuos.

O casamento de pessoas do mesmo sexo e o casamento de pessoas transgénero são uniões alternativas. Embora estejam legalizados em diversos países, não são aceites por certas culturas nem por certas pessoas. Os casamentos alternativos trazem consigo o problema da infertilidade. Na verdade, este problema só pode ser resolvido através da adopção. A lei de adoção pode ter de ser alterada para que os casamentos alternativos possam ser reconhecidos. Acabámos de assistir às alterações nas leis dos Estados Unidos, de Singapura e da Indonésia, o que nos pode despertar para voltar a reflectir sobre este assunto.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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