Psicologia Clínica nos Cuidados de Saúde Primários: Formação e Carreira no SNS, Municipalização dos Serviços de Saúde A Urgência na Tomada de uma Posição Pública

Psicologia Clínica nos Cuidados de Saúde Primários:

Formação e Carreira no SNS, Municipalização dos Serviços de Saúde

A Urgência na Tomada de uma Posição Pública

Rui Tinoco, Psicólogo Clínico nos cuidados de saúde primários

Luís Pimentel, Psicólogo Clínico nos cuidados de saúde primários

 

A psicologia é uma profissão minoritária em muitas instituições herdeiras da época clássica e das luzes: nas prisões, nas forças armadas e de segurança, nas escolas ou ainda nos hospitais e centros de saúde.

Pretendemos com esta nota fazer um breve mapeamento de dois grandes desafios que decorrem no momento que escrevemos e que obrigariam a Ordem dos Psicólogos (OPP) a uma tomada de posição pública – coisa que até agora desconhecemos, apesar até de instarmos a Direção da OPP a tal, no espaço para isso apropriado.

Em primeiro lugar a questão da carreira de Psicologia Clínica nos organismos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Não os vamos aqui maçar com questões corporativas que só interessam diretamente aos colegas que estão nelas envolvidas. Queremos isso sim, chamar a atenção para a urgência e pertinência de escolhas estratégias que poderiam dar oportunidades sérias de formação a todos e pôr em pé de igualdade a nossa profissão com outras, também fundamentais na área da saúde, designadamente, a enfermagem e medicina.

Estas duas profissões veem contempladas nas suas trajetórias de desenvolvimento em meio institucional, percursos formais de formação em serviço, conducentes a graus e competências profissionais. O mesmo está previsto no, ainda em vigor, Decreto-Lei Nº 241/94, que criou o Ramo de Psicologia Clínica, integrado na carreira dos Técnicos Superiores de Saúde (TSS) (DL nº 414/91). O ingresso na carreira contempla uma adequada formação teórico-prática complementar alargada, através da realização de um estágio da especialidade de três anos, efetuado em instituições do Ministério da Saúde e remunerado por este, com a obrigação de pratica supervisionada da psicologia clínica numa série de contextos de saúde, sob a tutela de um orientador de estágio geral e de orientadores parcelares das diversas valências, nos respetivos locais de trabalho.

Este modelo, para além de garantir a qualidade formativa, assumiu-se como contributo decisivo para o reconhecimento, no seio das equipas e instituições de saúde, da Psicologia Clínica como especialidade rigorosa e exigente. No próprio diploma do Ministério da Saúde são mencionadas “as especificidades próprias daquelas atividades, exigindo uma elevada qualificação científica e técnica e exercidas com grande autonomia funcional …” .

Mas com o decorrer do tempo, este modo de funcionamento consignado na lei foi congelado. Há mais de quinze anos que não abre concurso para estágio de carreira, ou dito de outra forma, o Estado não investe na formação especializada dos psicólogos, contrariamente, ao que sucede noutros domínios, em que a assegura para depois ela ser rentabilizada fora de portas, no estrangeiro.

Para corrigir este incumprimento das normativas legais e regularizar a contratação dos Psicólogos do SNS, existiram procedimentos excecionais de equiparação a estágio de especialidade de carreira, o último dos quais em 2011, no qual o estado assegurou aos candidatos a realização de estágios parcelares complementares em diversos contextos institucionais. Contudo, este processo foi restringido aos profissionais com contratos em funções públicas, excluindo os psicólogos que, apesar de exercerem em organismos do Ministério da Saúde, detinham outro tipo de vínculo laboral (contrato Individual de trabalho, avença…). Na prática, foram excluídos, injustamente, os colegas que desempenhavam funções há largos anos em Hospitais Públicos, ficando, assim, impedidos de aceder à carreira de TSS – Ramo Psicologia Clínica.

Devido à persistência dos Psicólogos, da “Comissão de Estágios de Carreira dos TSS” que funcionava na ACSS e dos ex-membros de júri do processo de 2011, o Ministério da Saúde chegou a elaborar em 2014 um projeto de decreto-lei para instituir um novo procedimento especial de equiparação ao estágio de carreira, mas tal não se veio a concretizar. Temos conhecimento que foi solicitado parecer à OPP e, na altura, até fomos instados pelo atual Bastonário a comentar o anteprojeto, sobre o qual emitimos[1] uma opinião favorável, de que destacamos:

“Salienta-se a pertinência da abertura de um novo procedimento (…) que abranja os profissionais que foram excluídos administrativamente (…). Paralelamente, (…) não se pode deixar de referir a urgência de abertura de concurso para estágios de ingresso em carreira, condição essencial para dotar as instituições públicas de saúde, de especialistas devidamente reconhecidos e habilitados ao desenvolvimento de um trabalho de qualidade. Há mais de 10 anos que não se procede à abertura de concurso, o que acontece com prejuízo da formação dos psicólogos, da sua inserção na carreira, da equidade no acesso às instituições públicas (…).

Mas o que foi feito pela Direção da OPP no sentido de pressionar o Ministério a assumir as suas responsabilidades? O que sabemos é que a iniciativa legislativa não foi concretizada e ficaram frustradas as expectativas criadas. Consequentemente, a inúmeros Psicólogos de Unidades Locais de Saúde (ULS) e Hospitais do SNS não foi proporcionado o acesso a uma maior estabilidade laboral e níveis remuneratórios mais elevados, mais compatíveis com o grau de diferenciação, responsabilidade e funções que desempenham.

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[1] Fevereiro de 2014, parecer de Luís Pimentel, a solicitação da OPP.

 

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