Os embates da Praça Roosevelt e do Pôr Do Sol: construir muros e grades nunca é a solução

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Praça do Pôr do Sol depois de reunião. Crédito: Ana Flávia

Um fenômeno muito positivo para a cidade, a apropriação cada vez maior dos espaços públicos pelas pessoas, acabou gerando conflitos entre os usuários e os moradores do entorno desses locais. Pelo menos dois casos emblemáticos dessa tensão estão ocorrendo hoje em São Paulo: a Praça do Pôr do Sol, no Alto de Pinheiros, na Zona Oeste, e da Praça Roosevelt, no Centro.

A Praça do Pôr do Sol nasceu como uma área verde de um loteamento de altíssima renda implantado nos anos 40 e tem um dos mirantes mais belos da cidade. Recentemente ela passou a ser muito mais frequentada, inclusive por pessoas que vêm da região metropolitana como um todo.  Esse uso intenso, que começa no pôr do sol e atravessa a madrugada, inclusive tocando música, acabou gerando uma insatisfação por parte dos moradores, na medida em que não foi acompanhado por uma mudança radical na gestão e cuidado do local de forma que pudesse dar conta da intensidade do novo uso. A partir daí, os moradores começaram a se organizar para reivindicar o cercamento da praça.

Essa também é a reivindicação dos moradores do entorno da Praça Roosevelt. O local é um importantíssimo equipamento central da cidade. Após uma longa espera por uma reforma depois de anos de abandono, moradores da vizinhança, usuários (que inclui teatros e equipamentos culturais do entorno) se mobilizaram pela sua reabertura, o que possibilitou a ocupação que existe lá hoje.  Mas o uso intenso do espaço, especialmente durante a noite, tem gerado vários conflitos entre os skatistas e os não-skatistas, os frequentadores das madrugadas, os artistas e os moradores.

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Skatistas aproveitam a Praça Roosevelt. Crédito:@Mark Hillary/Flickr

No caso das Praça do Pôr do Sol e da Roosevelt, a resposta da prefeitura e da Câmara Municipal à reivindicação do cercamento foi a proposta para que os locais deixem de ser praças e passem a ser parques. Dessa forma, como outros parques, passariam para a gestão da Secretaria do Verde e Meio Ambiente e teriam direito a eleger um conselho gestor, ter um horário de funcionamento pré-determinado, podendo também ser cercado para que esse horário possa ser cumprido.

O grande problema de casos como esses não é o conflito, mas a forma de lidar com ele e as respostas elaboradas e implementadas para enfrentá-los. Fazer uma cerca ou um muro é exatamente uma forma de não lidar com o assunto. Ou seja, na medida em que você tem uma incapacidade de resolver uma questão através de um processo de gestão que possa trabalhar com a diversidade, com o diferente, com as distintas opiniões e construir uma equação para isso, se constrói um muro, uma cerca, se impede o acesso…

Por outro lado, como se observa pela foto acima, a situação de devastação e precariedade após uma madrugada de intenso uso demonstra a urgência de se implantar um novo tipo de cuidado com o local, que envolve uma nova forma de limpeza, de organização das várias formas de uso e de pactuação com os usuários.

Evidentemente, um muro ou uma cerca não vai resolver o conflito. Muito pelo contrário, vai exacerbá-lo. Aqueles que estão sendo privados do uso não vão aceitar a medida e vão se revoltar. Por outro lado, com muros e cercas acabamos destruindo a paisagem da cidade e o caráter público e aberto desses espaços por uma incapacidade de construir uma forma de gestão que dê conta das complexidades e das dificuldades presentes.

No caso da Praça do Pôr do Sol, acaba de ocorrer uma eleição para seu Conselho Gestor. O resultado foi muito importante, porque um grupo de moradores da região se organizou para disputá-lo com a proposta de não cercar a praça, mas de enfrentar os conflitos sob a forma de uma gestão compartilhada, em diálogo com moradores e usuários.  A tranquilidade e a possibilidade de moradores dormirem e terem sossego é, absolutamente, um direito. Mas é também um direito a cidade oferecer espaços onde as pessoas possam conviver, onde possam exercer suas formas de ser.

Texto originalmente publicado no Portal Yahoo!

8 comentários sobre “Os embates da Praça Roosevelt e do Pôr Do Sol: construir muros e grades nunca é a solução

  1. deve ser a primeira vez que concordo com algo aqui hahahah
    realmente, fazer cercamento de praças e parques só traz violência e insegurança ao seu perímetro, longe dos acessos.

  2. Os problemas na Por do Sol são bem mais graves. Omitiu-se muitas informações. Casas estão sendo pichadas, jardins são invadidos para a prática de sexo, há tráfico de drogas além de toda a sujeira. Melhor discutir soluções expondo os problemas reais. Senão parece que os moradores são ins chatos q implicam com uma roda de violão.

    • Meu caro Luciano

      Seu comentário mostra bem como a população (não você, claro) de uma maneira geral, vê a prefeitura: como o pai, a mãe ou ambos. Tenho participado de grupos de whatsapp de discussão sobre problemas da cidade e a percepção é exatamente essa.

      É a prefeitura a responsável por sexo, consumo de drogas, uso das praças como banheiros públicos ou em uma palavra, a falta de educação das pessoas?

      Pergunto ainda: colocar mais grades em São Paulo vai torná-la uma metrópole mais civilizada? Ou será que vai piorar um pouco mais esta cidade já tão castigada por grades, muros, pichações e concertinas? (concertina é um tipo de arame farpado em forma de espiral. Está virando moda instalá-la no alto do muro dos imóveis deixando-os parecidos com presídios)

  3. A Praça Roosevelt está localizada no centro da maior metrópole brasileira, local para onde afluem cerca de 30 mil pessoas diariamente, sem falar em moradores locais. No seu entorno imediato existe uma miríade de atrativos, universidades, escolas, equipamentos culturais, bares e restaurantes que, em grande parte, absorvem o maior número de pessoas justamente à noite. Impossível, portanto, querer tratá-la como se fosse uma praça adornada de velho coreto numa cidadezinha alhures.

    É preciso notar que a reivindicação pelo cercamento da Roosevelt parte de umas poucas senhoras ultra conservadoras associadas à Polícia e ao Conseg. São minorias aflitas que sonham pelo velho coreto de onde chegaram. Não são coitadas, basta dizê-lo. Daí a intolerância e essa sanha em querer gradear um naco de cimento que, diga-se de passagem, é resultante de uma péssima, morosa e dispendiosa reforma concebida na gestão Kassab.

    Uma ideia totalmente descabida é querer tonar praça em parque e justo a Roosevelt, onde não há sequer um mato que justifique o conceito de parque, onde se encontra um número significativo de árvores e pássaros a requerer calmaria e refúgio da luz.

    Quanto ao lixo resultante das baladas, não há dúvida de que urge uma mudança de comportamento dos usuários. É incrível o brasileiro que ainda hoje pensa e age como se estivesse no período colonial, achando que vem um tigre catar seu lixo e sua merda.

    Por seu turno, não há lixeiras na Roosevelt à altura dos descartes. Os banheiros estão há muito fechados. A PM e a GCM usam o cimento como estacionamento de viaturas, como se logo abaixo não houvesse um imenso plano reservado só para carros. Os novos e ridículos bares nos quadrados de vidro alongaram seus domínios com pilhas de pneus pintados. A iluminação (ou melhor, o paliteiro do Kassab) é mera gambiarra. Desde muito o playground se tornou campo de moradores em situação de rua. A igreja se apropriou de uma porção única de árvores para si (e por que não esse espaço, já gradeado, não ser liberado às crianças?). Os bolsões plantados não recebem cuidados nem água: não há jardineiro na praça! A presença da polícia deveria ser canalizada para cuidar de plantas e coisas, e não de gente: assim passaríamos a ter o ar da graça/da praça.

    • Muito bom, Arnaldo.

      A ideia de liberar para crianças o espaço arborizado junto à igreja é ótima.

      Quanto ao barulho, sugiro às pessoas incomodadas que instalem janelas anti-ruído em seus caros apartamentos. É o caminho mais rápido de resolver o problema. Pretender que a prefeitura acabe com o barulho em uma cidade do porte se São Paulo é uma utopia.

  4. Celso, o caso da Praça Roosevelt vale um debate público tal como fizemos na FAU USP relacionado ao Parque Augusta, com o apoio da Raquel e do Delijaicov. Em verdade, esses casos todos que acompanhamos valem vários debates públicos, tamanha a sorte de argumentações. Sobre a Roosevelt e o Parque Augusta temos que desbancar a fúria das senhoras ultraconservadoras que há tempos estão nos infernizando com depoimentos meramente moralizadores e sem nenhum aporte técnico. Elas (essas senhoras do século XIX) têm tão somente o apoio da Polícia e do Conseg. São ultra reacionárias. Gostei da ideia das janelas anti-ruído a que elas deveriam recorrer.
    Agora, quanto ao lixo, há sim que mudar muita coisa na concepção de uso dos espaços públicos. É muito lixo atirado ao chão. É lixo pra caramba! Não dá pra continuar achando que um gari ultra mal pago venha recolher a porcaria toda a cada pós-balada. E isso vale para o país todo em praças, ruas, parques, praias, etc.
    Lembro o malho que demos na ocupação feita no Parque Augusta (janeiro e fevereiro de 2015), pelo tremendo esforço dos ocupantes em trazer conscientização aos usuários: inventando bituqueiras portáteis, separando o lixo reciclável, criando composteiras, colhendo água de chuva, etc. Acho que um levante desse tipo já é possível em toda parte, sem que se gaste fortunas com campanhas oficializadas. Tudo depende de nós, usuários.

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