O que eu vi na CCXP 2015

De quinta-feira a domingo, a biosfera nerd brasileira esteve em ebulição: a segunda edição da Comic Con Experience, organizada pelo Omelete, reuniu o melhor da cultura pop mundial na cidade de São Paulo.

Meu foco era quadrinho, óbvio. Tanto que mal dei uma volta geral pelo pavilhão de exposição. Só sei que tinha muita, muita gente nos dois dias em que estive lá, principalmente no sábado. Preferi acampar ali no Artist’s Alley (local das mesas dos quadrinistas) e no auditório de palestras (para ver as master classes).

Pra quem gosta de entretenimento em geral, o evento é um prato cheio. Pra quadrinho, então, sem comentários. Praticamente todos os nomes nacionais em ativa marcaram presença – sejam independentes ainda engatinhando no mercado ou estrelas conhecidas no mundo todo. E o time de estrangeiros igualou o line up das mais importantes conferências americanas, incluindo lendas vivas e nomes relevantes para a indústria moderna: Frank Miller, Mark Waid, Scott McCloud, John Totleben, José Luiz García-López, Jim Lee, Kevin Maguire, Esad Ribic, David e Meredith Finch, entre outros.

Não vou entrar em detalhes sobre a quantidade de visitantes, número de estandes etc. Também não quero me aprofundar nos problemas inerentes a eventos desse tamanho, como o número baixo de pessoas do staff para conferir credenciais e documentos na entrada – fato que criava filas longuíssimas e espera de horas. Ficam de lição para as próximas edições.

Gostaria mesmo de comentar algumas coisas que encontrei na CCXP 2015. Lá, eu vi:

A adorável Melissa Totleben (esposa de John Totleben, desenhista e arte-finalista do histórico run de Alan Moore no Monstro do Pântano) ajudando o marido a autografar. John tem sérios problemas de visão, mas ficou por horas a fio assinando para os fãs, sempre guiado por Melissa, que indicava a cor da caneta que ele segurava (ela, aliás, ficou encantada com a revista que levei, só com pin-ups de personagens da Vertigo. Achei que ia pedir de presente).

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John e Melissa (enquanto ela tenta fugir da foto, ali do lado esquerdo). Foto do colega Renato Fernandes

Artistas mulheres cada vez mais presentes em eventos desse porte. Tinha uma mesa com o quarteto gaúcho Cris Peter, Ana Luiza Koehler, Ursula Dorada e Ariane Rauber que vivia lotada. Cada vez mais, quadrinho é coisa de menina.

Tinha um garoto de uns 12 anos com a mãe comprando livros do Pedro Cobiaco. O Paulo Cecconi, tradutor de HQs e especialista nessa matéria, estava por ali e deu os parabéns ao menino. Foi algo do tipo “é isso aí, moleque, continue lendo gibis”.

A animação do Greg Tocchini. Ele é um cara que fala com a empolgação de quem quer contar um segredo bombástico. E contou, na verdade: vai desenhar a série Low, da Image, escrita por Rick Remender, até o número 25. Depois, será a vez de outros artistas convidados.

Não vi a galera das Graphic MSP: era muita gente na frente deles pra pegar autógrafo.

Vi um quadrinho feito por um colega de escola, que estudou comigo há mais de dez anos. Danilo Pereira faz parte do coletivo Petisco e tem uma história no recém-lançado Archimedes. Boa, Zóio!

O Mark Waid tirando uma com a cara do Scot McCloud. “Ele não precisou entreter vocês depois de um alarme de incêndio”, falou, após a plateia de sua palestra ter que sair do auditório devido a um problema elétrico.

Conversei com pessoas do País todo: Rio Grande do Norte e do Sul, Minas Gerais, interior de São Paulo. O mineiro era o Igor (esqueci de perguntar o sobrenome), um artista que ainda está na faculdade e andava pra lá e pra cá vendendo seu primeiro quadrinho.

-Enchi o saco de caras como Érico Assis, Rafael Coutinho, Luciano Salles e vários outros, seja para trocar uma ideia simples ou divulgar meu blog.

Um dos sorrisos mais gentis de minha vida, acompanhado de um olhar arisco, feliz por conhecer os fãs brasileiros – e também com uma vontade louca de fazer mais HQs. Frank Miller ainda se encontra frágil, mas é uma fera que acordou faminta. Podem aguardar, pois o velho (que só aparenta velhice por conta da saúde debilitada, tem 58 anos) ainda tem lenha pra queimar. Ah, e ele acertou a pronúncia do meu nome na hora de dar autógrafo (algo impensável pra qualquer americano).

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Foto do Mestre tirada clandestinamente pelo colega Juliano Ribeiro

Master class do Scott McCloud
O mais importante teórico americano dos gibis? Provavelmente: Scott McCloud é autor do seminal Desvendando os Quadrinhos, uma HQ que explica o que é uma HQ, feita nos anos 1990 e que envelheceu muito bem. Entrei na palestra quando já respondia perguntas da plateia. Falou principalmente a respeito de O Escultor, graphic novel recém-lançada no Brasil pela Marsupial Editora (só depois de finalizar a obra, ele foi checar o que dava pra melhorar de acordo com seus próprios estudos de linguagem).

Master class do Mark Waid
Concisão da narrativa: fale o máximo que conseguir com a menor quantidade de palavras. Esse foi o principal conselho de Mark Waid, ícone das HQs americanas, autor de obras como Reino do Amanhã e Demolidor vol .3 e 4. Quem assistiu à sua apresentação garantiu fácil um semestre na faculdade de quadrinhos: Waid deu uma longa aula sobre técnicas para escrever roteiros. Explicou como capturar a atenção do leitor (abrindo a história com um acontecimento poderoso logo na primeira página) e qual a relação entre diagramação e ritmo de leitura (quadros menores indicam uma ação frenética), entre outros assuntos. Mas a melhor passagem foi quando comentou que a imagem deve prevalecer frente ao texto – falamos de uma mídia visual, oras. Por fim, relembrou que uma história precisa de emoções. Tramas complexas são válidas, mas importa mesmo falar ao coração do leitor.

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Foto de Renato Fernandes

Master class da Lilian Mitsunaga
Se os EUA têm Todd Klein, nós temos Lilian Mitsunaga. A maior letrista dos quadrinhos nacionais explicou em detalhes sua função, desprezada por muitos leitores, mas fundamental para a narrativa gráfica. Pra quem acha letreiramento uma moleza, vai fazer o que a Lilian fez em Asterios Polyp, para a qual criou (isso mesmo, criou) quinze fontes diferentes. Uma curiosa revelação: letrista também precisa ser profundo conhecedor de arte, pois em vários casos terá que retocá-la (como em páginas nas quais o título se funde ao desenho, por exemplo). Lilian mostrou diversas ferramentas utilizadas ao longo dos anos. A tecnologia evoluiu, ainda bem: já fez letras e balões de gibis a fio na raça, a mão, de Disney a Sandman. Uma heroína (quase) anônima.

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Master class do Esad Ribic
O croata Esad Ribic é um homem clássico, do passado. Prefere pintura a mão ao desenho digital, não gosta de usar referências fotográficas e se inspira em Caravaggio. Apesar da cara de poucos amigos, tem um bom humor ácido. Ao longo da palestra, o artista de Thor: o Deus do Trovão pintou ao vivo enquanto explicava sua técnica (baseada em aguadas) e respondia perguntas do público. É interessante notar seu modo de trabalho: primeiro, pinta o papel inteiro com uma única cor para, a partir daí, construir o desenho. Ribic comentou que não gosta de se ater a detalhes – prefere que formas brutas identifiquem personagens e cenários. Falou ainda sobre sua produtividade: usando o computador, faz duas páginas por dia; a mão, duas por semana. A respeito de futuros projetos, começa em fevereiro a trabalhar na sequência de Metabarons, cultuada série de ficção científica do chileno Alejandro Jodorowsky, a ser publicada pela Humanoids.

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Isso é tudo o que vi (e teve muito mais que simplesmente era impossível ver). Mas o que senti foi ainda melhor.

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