EPICHURUS

Natação e cia.

A Credibilidade do Título Mundial Júnior…

Uma das coisas que mais me incomoda no mundo esportivo é a banalização do título mundial.  Já escrevi sobre isso aqui e a prática continua firme e forte.  A mídia esportiva abusa disso, quem sabe como técnica de marketing, para buscar mais telespectadores, embora eu desconfie que seja mesmo pura falta de conhecimento.  Já os comentaristas e blogueiros que realmente conhecem do assunto não ajudam a desfazer o mal-entendido.  Os comentaristas porque fica chato corrigir o péssimo narrador “boleiro” no ar, e os blogueiros tendem a ser parciais (geralmente conhecem os atletas) e comumente enaltecem resultados que não merecem tanta exaltação.

O Panamericano que terminou a pouco é um ótimo exemplo disso.  Ouvi mais de uma dezena de vezes que fulano ou cicrana eram campeões mundiais.  Diogo Silva, do Tae-kwon-do, foi comentarista durante os jogos e foi apresentado pelo narrador como campeão mundial.  Resolvi pesquisar.  Ele foi campeão mundial universitário (Universíada) em 2009 e campeão mundial militar em 2011.  O cara é um atleta fora de série, foi 4º colocado em Atenas 2004 e em Londres 2012 (talvez querendo desbancar a sina do Renato relatada aqui), mas não é Campeão Mundial cassete!

Em entrevista com Diego Hipólito durante os jogos, a repórter mencionou a força do DNA da família, que tinha dois campeões mundiais.  O Diego foi mesmo (embora faça parte da enorme gama de atletas brasileiros que são campeões mundiais e misteriosamente não conseguem sequer o bronze olímpico), já a Daniele eu truquei forte e obviamente eu estava certo.  Ela nunca ganhou nenhum mundial.  Foi campeã de etapa de copa do mundo, e a repórter, propositalmente ou não, confundiu com título mundial.

O mesmo aconteceu com o remador Isaquias Queiroz, apresentado pelo narrador da SportTV como campeão mundial da prova, quando na verdade tinha sido campeão mundial júnior.   E esses são apenas alguns exemplos de tantos outros.

Tudo isso me lembra uma antiga propaganda de TV da Folha de São Paulo, muito inteligente e impactante, que mostrava uma imagem desfocada de um homem enquanto o locutor enaltecia seus feitos como político: aumento de PIB, diminuição de desemprego, aumento da renda per capta, etc.  Aos poucos a imagem tomava forma e no final da propaganda você via que era Hitler, e o locutor finalizava dizendo “é possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade…”.  Qualquer semelhança aqui não é mera coincidência.

Falam que Diogo Silva foi campeão mundial (faltou dizer que era militar).  Falam que Daniele Hipólito foi campeã mundial (confundindo com etapa de copa do mundo).  No CV da Fernanda Keller ela é campeã mundial (só que de participações, “confusão” que causa certa vergonha).  Anunciaram que Isaquias Queiroz era o atual campeão mundial (mas não disseram que era júnior), e esse é o gancho que nos leva a natação.

O Campeonato Mundial Junior terminou na semana passada e o Brasil trouxe 4 medalhas em provas individuais, uma delas de ouro.   Isso em si já é uma boa notícia, mas melhor ainda foi que as medalhas vieram em provas olímpicas.  Pelo visto essa nova geração se ligou que o foco não pode ser nas provas de 50m estilos, mais fáceis de trazer metal, mas com menos credibilidade (que a mídia evita mencionar).

Essa competição não existia na minha época.  Adoraria tê-la nadado, mas ela começou somente em 2006, de maneira tímida, com pouca aderência.  Hoje parece que ganhou credibilidade e os principais jovens talentos do mundo estavam lá em Cingapura.

Branndon Almeida levou o ouro nos 1500 Livre com 15’15.  Um título expressivo sem dúvida, mas a pergunta que não cala, na minha cabeça, é: “O quanto esse título realmente significa que Branndon é o melhor fundista do mundo da nova geração e esse título lhe credencia como favorito a um ouro olímpico no futuro? ”

Branndon Almeida, campeão mundial junior nos 1500m Livre

Branndon Almeida, campeão mundial junior nos 1500m Livre

Voltamos ao remo.  O tal Isaquias, campeão mundial júnior, vai entrar no Rio de Janeiro como um dos favoritos ao ouro olímpico.  É consenso entre os conhecedores do remo que ele é hoje uma das maiores promessas do remo mundial.  Ou seja, no caso dele o título mundial júnior já lhe coloca entre os melhores do mundo no “absoluto”.  Não me parece ser o caso do Branndon.  Seu tempo do título mundial júnior é 36 segundos mais lento que o tempo de Gregório Paltrinieri, ouro no mundial de Kazan.  Basicamente chegaria 60 metros na frente do Branndon.  A distância ainda é muito grande e sendo realista acho bastante improvável que Branndon brigue por medalha no Rio, quiçá pelo ouro olímpico.

Isaquias Queiroz, grande esperança de ouro olímpico em 2016.

Isaquias Queiroz, grande esperança de ouro olímpico em 2016.

Só que é injusto comparar o remo e a natação.  O timing do auge de cada esporte pode ser diferente.  No futebol por exemplo é muito comum o fenômeno júnior não vingar no profissional.  São vários Lulinhas que foram chamados de “futuros Messis” e hoje jogam no Tuna Luso.  Na natação esse fenômeno, pelo menos no Brasil, era comum no infantil.  A Gama Filho na década de 80/90 era um celeiro de atletas de 13-15 anos que figurariam entre os melhores do mundo daquela idade (e misteriosamente grande parte deles nunca mais melhoraram o tempo, assunto que renderá um futuro texto aqui no Epichurus).  Só que esse “mistério” nunca foi realidade entre os nadadores de 17/18 anos.  O título do Júlio Delamare (Juvenil B), com raras exceções, colocava o campeão entre os melhores do Brasil absoluto.  Só que o que parece ser verdade no Brasil pode ser extrapolado para o cenário mundial?

Branndon dá toda pinta de ter um futuro brilhante (caramba, seu presente já é brilhante), mas a mídia provavelmente o anunciará nas Olimpíadas do Rio de Janeiro como campeão mundial e para os leigos ele vai ser mais uma decepção, mais uma estatística de campeão mundial brasileiro que falha nos jogos olímpicos.  A esperança é que “dê a volta por cima em 2020”, jargão amado pela mídia.  Time will tell!  Torço para que leve o ouro olímpico e faça jus ao título de campeão mundial júnior.  Tenho certeza que esse é o sonho de todo brasileiro amante da natação.  Espero que Branndon o realize, porque ele tá muito longe de ser mais um Lulinha, mas cá entre nós, também tá longe de ser um Isaquias!

13 comentários em “A Credibilidade do Título Mundial Júnior…

  1. Rogério Aoki Romero
    8 de setembro de 2015

    Boa provocação, Lelo!

    Hoje, devido a coincidência de calendário dos Mundiais e o aumento da relevância do campeonato, o campeão mundial júnior tem um peso maior.

    A turca (gosto desta globalidade da natação) Viktoria (nome profético) parece seguir o caminho de outra peitista de sucesso, a lituana Ruta. Maturação, que já é diferente nas meninas, deve ser mais evidente no nado peito (sem trocadilhos), vide Kyoko Kawasaki.

    Os inúmeros recordes mundiais demonstram uma aparente evolução (marcas antes do “marco zero” dos recordes não foram consideradas porque mesmo?), mas será que esta pressão a mais é boa para a natação? Em tese, sim. Mais campeões e recordistas mundiais, mais notícias, mais interesse no esporte, mais patrocinadores investindo.

    Mas, como você bem disse, apenas o tempo dirá.

    • Lelo Menezes
      10 de setembro de 2015

      Boa Piu! A minha dúvida sempre foi essa: a credibilidade de um Mundial Júnior. Parece que o negócio está sendo levado a sério, mas só tempo dirá se esses atletas terão sucesso similar no mundo absoluto

      Abs

  2. rcordani
    8 de setembro de 2015

    Lelo, estou muito de acordo com o prejuízo que causa essa banalização dos títulos mundiais em geral.

    Porém é preciso separar “Absoluto” de “Age Group”, e isso já é feito pela maioria dos veículos. A Folha de SP, por exemplo, tem no seu manual de redação a recomendação de não noticiar age group, apenas absoluto (ou “Elite”, como chama no Triathlon).

    O título do Brandonn é espetacular, mas é “Age Group”, e assim deve ser considerado. Título mundial absoluto é outra coisa, muito mais significativa e sim, a banalização deste último enche o sahco.

    • Lelo Menezes
      10 de setembro de 2015

      É esse o ponto! Parabéns pra Folha que diferencia os títulos. Acho que a maioria não o faz no entanto. Você não vai ouvir essa diferenciação do Elia Junior ou do Luis Carlos Jr. Em outras palavras, eu e você sabemos diferenciar um título Junior de um título absoluto, mas esse pessoal não! Daí o Branndon fica em 7º nas Olimpíadas, eu e você ficaremos felizes com o resultado, mas a mídia em geral vai divulgar a seguinte manchete “Campeão Mundial Júnior fracassa nos jogos olímpicos”

  3. Coach Alex Pussieldi
    8 de setembro de 2015

    Lelo,
    Campeão Mundial é Campeão Mundial, sempre foi e sempre será.
    Campeão Olímpico é Campeão Olímpico, sempre foi e sempre será.

    Seu texto apenas reforça isso. Campeão mundial júnior, campeão mundial trabalhista, campeão mundial estudantil, campeão mundial paralímpico, campeão mundial gay, campeão mundial masters são apenas classes divisórias da população geral de esportistas, mas jamais poderiam ser equiparados ou receberem o mesmo status.

    É a mesma coisa que um nadador paralímpico querer a mesma mídia e reconhecimento que o campeão olímpico, não tem como.

    O campeão absoluto é o campeão deste planeta e assim deve ser celebrado.

    Isso não impede, jamais, de podermos celebrar os nossos campeões, sejam quais forem eles. Nossa cultura e resultados esportivos são tão pobres e minguados que o destaque destes eventos enaltecem a prática esportiva e incentivam o desenvolvimento do alto nível no país em todos os níveis.

    Lembre que a competição na mídia esportiva não é entre os campeões mundiais de diferentes classes e sim com a desigualdade com o futebol.

    Viva Brandonn Almeida, nosso primeiro campeão mundial júnior e viva o esporte olímpico do Brasil, em todos os níveis.

    • Lelo Menezes
      10 de setembro de 2015

      Bom ponto Coach! Aliás, o intuito do texto nunca foi desmerecer o título do Branndon, que de coração eu acho sensacional. O intuito foi mostrar que é um título que não tem o mesmo “peso” de um título mundial absoluto.

      Legal a menção das Paralimpíadas. Eu sempre quis escrever sobre isso, mas acabei nunca fazendo porque o assunto é muito delicado, eu particularmente não acompanho e nem tenho vontade de acompanhar (muita gente vai me xingar). Entendo a importância social que o evento tem e admiro o atleta paralímpico, mas vontade de acompanhar eu não tenho e concordo que nunca deveria ter o mesmo espaço na mídia.

      Abs

  4. Alexandre Lomonaco
    8 de setembro de 2015

    Pior ainda quando o “age group” é no master , acima de 25, 30,35…. e também a mistura que a mídia brasileira propositalmente faz entre paraolímpico e olímpico. Bela provocação.

    • Lelo Menezes
      10 de setembro de 2015

      É isso ai! Master é um mundo à parte. Um mundo que poderia ser mais interessante, com mais apelo, mas enquanto tivermos prova de 400 livre pra senhores de 90 anos, fica difícil levar a sério… Legal o velhinho ativo, mas um saco pro publico que espera 45 minutos pra ver o velhinho terminar…

  5. Emilson Pereira Leite
    8 de setembro de 2015

    Banalização? Para com isso. Um campeão mundial júnior é um campeão mundial, assim como um master de qualquer categoria. Merecem o destaque da mídia, principalmente se forem brasileiros, já poucos alcançam esses títulos. Não tem nada de banal nisso, muito pelo contrário. Parabéns aos campeões mundiais júnior, master, universitários, etc.!

    • Lelo Menezes
      10 de setembro de 2015

      Emilson, um campeão mundial júnior não é campeão mundial, ele é campeão mundial JÚNIOR. um campeão mundial militar, não é campeão mundial, é campeão mundial MILITAR, e assim por diante. Esse é o erro! Bota-se tudo no mesmo balaio.

      Não tem porque desmerecer esses títulos, mas precisa esclarecer que não são títulos absolutos, esses sim sem ressalvas.

      Abs

  6. Paulo Cezar Braga
    9 de setembro de 2015

    Muito legal o texto, Lelo. Vocês do blog escrevem realmente pensando o esporte e isso os diferencia dos outros blogs que leio. Sobre o tema, lembro na infância, quando fui me aventurar no jiu-jitsu e todo mundo na academia era “campeão paulista”. Ficava imaginando quantos campeonatos paulistas deveriam ocorrer por fim de semana pra formar tanto campeão rs.
    A última que vi foi na revista da minha região em que um atleta foi entrevistado e disse ter sido vencedor do Ironman 70.3 de Foz de Iguaçu, mas esqueceu o detalhe de que era dos “age-group”. 99% dos leitores não saberiam, mas pra quem entende fica feio, sendo que a verdade já seria em si uma conquista enorme.

    • Lelo Menezes
      10 de setembro de 2015

      Valeu Paulo!

      Na natação, década de 1990, tinha uma competição chamada Campeonato Brasileiro de Inverno. Você deve estar pensando “Sim, era o Finkel”

      Não, não era! Era um competição patrocinada pela CBDA, que acontecia após o Finkel e que participavam meia dúzia de times, muitos deles do Norte, Nordeste, onde geralmente era sediada essa competição. O nível técnico era sofrível, mas você não pode imaginar quanta gente que a ganhou que até hoje bota no “CV” que é campeão brasileiro de natação.

      Abs

  7. Fernando Cunha Magalhães
    29 de setembro de 2015

    Em nossa cultura a Copa do Mundo é a competição maior do esporte mais popular que é o futebol.
    As Copas do Mundo de ginástica, natação, etc geram confusão ao leigo que não consegue diferenciar os feitos. Campeonato mundial x Copa do Mundo – é muita confusão, favorecendo hipóteses levantadas pelo Lelo em seu texto.
    Gostei e concordo.
    O Brandonn é fantástico, achei aquele 4.14 incrível no PAN.
    Acredito em finais olímpicas no ano que vem. Será espetacular!
    E ficamos na torcida pelo metal em 2020.

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Publicado em 8 de setembro de 2015 por em Natação.
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